segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Verba da saúde paga almoço de preso e farda

16 Estados usaram dinheiro da saúde em outras finalidades; R$ 3,6 bi foram desviados em 2007, valor suficiente para construir 70 hospitais

Os governos que ficaram mais longe dos 12% determinados pela Constituição foram os do RS (3,75%) e MG (7,09%)


Por causa de uma brecha na lei, 16 Estados deixaram de aplicar R$ 3,6 bilhões em hospitais, remédios, exames e outras ações de saúde em 2007.

A Constituição determina que os Estados devem destinar à saúde no mínimo 12% de suas receitas próprias. Para atingir o percentual, a maioria dos governadores, porém, "maquiou" seus balanços contabilizando gastos que não foram propriamente com saúde pública.

O Rio, por exemplo, contabilizou como gasto em saúde os restaurantes populares e a despoluição da baía de Guanabara. O Paraná incluiu o uniforme de policiais militares e a merenda das escolas. Minas Gerais calculou um programa de financiamento da casa própria. Goiás, a ampliação da rádio, da TV e da gráfica estadual.

O Ministério da Saúde passou um pente-fino nas prestações de contas, eliminou tudo aquilo que não era ligado ao Sistema Único de Saúde e constatou que, na realidade, a maioria dos Estados não cumpre a Constituição. Dos 27 governadores, segundo o relatório recém-concluído, 16 aplicaram menos que os 12% obrigatórios.

Incluíram nas contas da saúde, para citar mais exemplos, tratamento de esgoto, plano de saúde dos funcionários estaduais, aposentadoria dos servidores da saúde, alimentação de presidiários e programas sociais do estilo Bolsa-Família.

Os subterfúgios tiraram da saúde em 2007 dinheiro suficiente para sustentar o programa brasileiro de Aids por quase três anos. Com esses mesmos R$ 3,6 bilhões poderiam ser construídos 70 hospitais de médio porte (200 leitos).

Sem punição

Os governos que ficaram mais longe dos 12% foram os do Rio Grande do Sul (3,75%) e de Minas Gerais (7,09%).

São Paulo investiu 11,75%, segundo a auditoria. O Estado protestou dizendo que o Viva Leite, programa que dá leite a famílias pobres, é ação de saúde. O ministério aceitou o argumento, e SP chegou aos 12%.

Os governadores que desrespeitam a norma, porém, jamais são punidos. O mínimo de 12% entrou na Constituição no ano 2000, pela emenda constitucional 29. O problema é que o texto é genérico e deixa margem para que Estados e seus Tribunais de Contas façam interpretações subjetivas. Com a baía de Guanabara limpa, por exemplo, argumenta o Rio, menos pessoas adoecem.

Um projeto de lei que diz exatamente o que é investimento em saúde e também o que não é está em análise no Congresso Nacional. A tramitação se arrasta desde 2002.

Com o objetivo de orientar os governantes, o Conselho Nacional de Saúde, ligado ao Ministério da Saúde, aprovou uma resolução com os mesmos termos do projeto de lei. O texto, porém, não tem força de lei.

Com o projeto de lei aprovado e a ambiguidade resolvida, os Estados poderão deixar de receber verbas da União e até sofrer intervenção federal; e os governadores, ser processados por crime de responsabilidade.

O problema é que o mau exemplo vem de cima. O próprio Ministério da Saúde, que também tem investimentos em saúde pública fixados pela Constituição, deixou de aplicar R$ 5,48 bilhões entre 2001 e 2008, segundo o Ministério Público Federal.

O presidente do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Batista Júnior, diz que os Estados têm "deliberadamente" deixado de cumprir o mínimo fixado pela Constituição. "Sempre ouvimos os diversos atores [governo e congressistas] dizendo que são a favor da aprovação da regulamentação da emenda 29, mas isso nunca acontece. É constrangedor."

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